A bola no ar

A bola foi cruzada na área e viajou no espaço, no alto vazio do estádio
Todos olhavam pra ela, sem exceção, todos olhavam pra ela
Cabeças giravam atentas a cada centímetro da trajetória
A bola pomba, voando ao sabor dos milhares, de olhos em ponto de confluência

A atenção concentrada nos gomos, o ponto branco na abóbada escura do estádio, cheio de refletores
A bola voava. E muitos mais viam pela tevê – um homem em sua poltrona, a sala vazia
Um trabalhador com a cabeça distraída do prato, vendo o lance nos televisores do bar.
Uma menina aflita, roendo as unhas, a bola que seguia sem se importar
Indiferente em ser o cometa, que concentra nossa atenção e por quem vibra a humanidade

Alma ela não tem, a não ser esta, que tantos como eu lhe damos – com as mãos em prece
Os braços ao alto, cantando a pleno pulmão

A bola que viaja e vamos com ela, no alto em nossas vidas de heróis
A grande área que se aproxima, o alvoroço dos zagueiros, dos atacantes
Que aguardam ansiosos sua direção. Brigando, lutando, puxando-se uns aos outros
Tudo se intensifica – a chegada da raposa ao galinheiro, ou melhor
Da galinha que chega à toca

Todos adivinham seu pouso, estáticos quando enfim ela desce,
Cada um em posições derradeiras, comprimidos no pequeno espaço da área:
Quando a bola cai. E é preciso buscá-la, querê-la mais do que os outros, tê-la
A qualquer preço.

Ela resvala num cabeça, bate na coxa de alguém, talvez fuja, em vontade própria
A rigor não é de ninguém: pipoca, passando, buscando o recomeço de um outro lugar
Vibramos, com a bola que passa.  
Com a bola que não passa nunca.

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