A maioridade da intolerância

Justin Fashanu nasceu em 1961, no distrito de Hackney, um dos mais pobres da região de Londres. Foi criado por uma família adotiva. De origem nigeriana, nunca teve vida muito fácil no Reino Unido.

Tal qual milhões de garotos no mundo, Fashanu queria ser jogador de futebol. Conseguiu, ao contrário de muitos. Estreou profissionalmente pelo Norwich City com apenas 17 anos. O início de sua carreira foi relativamente promissor, mas nada que fosse mudar a rotação do Planeta Terra. Mesmo assim, foi para o Nottingham Forest, no início dos anos 80 a peso de ouro. Poderia ser a oportunidade do jovem atacante mostrar seu talento para o mundo. Poderia.

Ao mesmo tempo em que estava vivendo o momento mais promissor de sua carreira, Fashanu começou a frequentar bares e boates do circuito GLS, o que rapidamente virou notícia. O treinador da equipe não ficou feliz com a notícia. Colocou o jovem jogador para treinar separado do grupo, e posteriormente, a emprestar Fashanu para outros clubes.

Obviamente, seu rendimento foi caindo de maneira absurda. E uma carreira que poderia ser relembrada por gols e bons momentos, se tornou um inferno.

Bom, mas o assunto central aqui não é a carreira e os gols marcados por Fashanu, mas o triste rumo que as coisas tomaram.

Sua vida pessoal se tornou uma tremenda e interminável confusão. Força a se relacionar publicamente com mulheres, mesmo sendo atraído por homens.

Após ser alvo de “brincadeiras” de seus “companheiros” de time (e de profissão), e perambular por vários times, Fashanu resolveu abrir o jogo para o mundo. Em 1990, declarou em uma entrevista ao “The Sun” que era homossexual. A reportagem correu a Inglaterra, e o jogador poderia virar um símbolo de uma luta que nunca foi fácil (e que hoje parece ser mais difícil). Infelizmente, a única coisa que aconteceu foi que até seu irmão o criticou por ele ter revelado ao mundo sua preferência sexual. Começou a rodar pelo mundo.

Cansado, sem muitas esperanças de que o cenário fosse melhorar, se aposentou em 1997. Virou treinador de um pequeno clube. Como se não bastasse todos os obstáculos de sua vida, foi acusado de ter abusado sexualmente de um garoto de 17 anos. Nada foi provado. Fashanu não foi preso. Mesmo assim, resolveu voltar para a Inglaterra.

Tentou buscar auxílio na religião. Porém, sua crença condenava o fato de ser gay. Tudo isso tornava o cenário cada vez pior. Nada parecia dar esperanças para o já não tão jovem ex jogador.

Ninguém é de ferro. Fashanu também não era. Depois de anos sendo alvo da intolerância, ignorância, ódio e estupidez das pessoas que o rodeavam, resolveu colocar um fim em sua vida.

O caminho, infelizmente, foi o mesmo de tantas pessoas que resolvem se assumir neste mundo intolerante. Fashanu, cansado de tudo, se suicidou em 1998. Deixou uma mensagem, onde dizia que “…não queria mais ser uma vergonha para meus amigos e minha família…”.

Claro que quem tanto o humilhou, que tanto fez “brincadeiras” sobre sua sexualidade pouco se fodeu, e pouco está se fodendo para o triste fim de sua existência na Terra.

O tempo passou. E o que mudou? ABSOLUTAMENTE NADA.

Aliás, mudou sim. Imagine se fosse hoje?

Fashanu iria virar piadinha nas redes sociais. Seria mais um a ser associado a essa sem graça, estúpida e desnecessária “Lei de Gil”, que domina Facebook, Twitter, e faz a diversão de um bando de babaca que se diverte fiscalizando a vida sexual alheia. Talvez por ser desejo reprimido, talvez por serem frustrados. Ou apenas por ser um bando de imbecis.

Dezoito anos se passaram, e o que era para ser um marco passa batido. Não se ouve um canal de TV falar de sua morte. Não se lê nenhuma reportagem em nenhum grande portal. Falar sobre o novo penteado de Neymar parece ser mais interessante, e pode agregar mais.

Nesses dias de intolerância, Fashanu era para ser bandeira. A bandeira da resistência. A bandeira da tolerância. Mas não é. Infelizmente virou estatística, e que poucos lembram e computam. E será que a Dona Uefa, que vive com seu papinho de “Respect” e “Say No To Racism” (mas que permite que times com torcidas racistas joguem seus torneios) fará ao menos um minuto de silêncio?

Vivemos em um mundo doente. Um mundo intolerante. Um mundo onde ser babaca é ser engraçado. E bater de frente com a babaquice é ser chato. Está tudo errado. Tudo de cabeça para baixo.

Existem homossexuais no futebol. No seu trabalho. Na sua escola. Na sua família. Na sociedade. E sabe o que isso muda na sua vida? NADA. Tudo o que as pessoas querem é buscar a felicidade. Fashanu queria sua felicidade. Infelizmente, não conseguiu. Muito por culpa da intolerância.

O debate se faz urgente. Não podemos ver demonstrações de ódio gratuito e preconceito passando batidas, enquanto autoridades, imprensa e demais órgãos que deveriam agir ficam passando pano pra otário agir sem medo de punições.

Em algum lugar, Fashanu observa tudo isso. Observa uma imprensa omissa, que não aborda o tema. Observa jogadores que mantém como tabu o que já não deveria ser tabu. Observa que quem deveria falar se cala, e quem fala é alvo de represálias.

Quantos Fashanus serão necessários para que o mundo deixe de ser esse poço de idiotice e preconceito? Só o tempo dirá.

Enquanto a resposta não chega, nós estaremos aqui. Afinal, nós somos a resistência.

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