Música, Bola de Ouro e a marcha fúnebre do futebol

Poucas coisas são tão parecidas quanto o futebol e a música. Ambos despertam emoções. Ambos fazem parte da vida de muitas pessoas. No caso de algumas delas, vitais.

Da mesma forma que torcedores amam/odeiam times e jogadores na mesma proporção, fãs idolatram/abominam artistas e bandas no mesmo rompante bipolar.

As semelhanças não param por aí. Até a cronologia de ambas as artes é parecida. Seja no Brasil ou no mundo. Talvez uma das únicas diferenças seja que o futebol morreu, e a música ainda nos reserva bons momentos, apesar de algumas tentativas de aniquilar o legado que monstros do universo musical nos deixaram. Ou de alguns golpes do destino, como a partida de David Bowie.

Lembramos todos com saudade de muitos times, jogadores, músicas e artistas. Até de épocas que não vivenciamos. Todas essas são reminiscências causadas pela fantasia que as duas artes nos causam. Quem aqui não vê o Santos de Pelé, o Benfica de Eusébio, o Botafogo de Garrincha, os Beatles, O Black Sabbath nos primórdios, e nunca se sentiu dentro do estádio ou do ginásio/clube onde os espetáculos eram realizados?

É notável também o fenômeno do rock progressivo, aquele estilo composto por músicas virtuosas, que agradavam a uns e causavam asco em outros. Deixando de lado a questão do gosto pessoal, podemos associar em partes a técnica dos músicos aos times que encantaram o mundo nos anos 70. A kubrickiana Laranja Mecânica, a Academia alviverde, o Ajax tricampeão da Europa, a eterna Seleção Brasileira de 1970.

Na contramão de tudo, apareceu o punk rock com sua simplicidade e energia. Apesar de elencos muito técnicos e recheados de grandes moralizadores, podemos ligar o fenômeno das “três notas” (como alguns sem coração costumam se referir ao movimento) com os gigantes do interior que no final dos anos 70 e início dos anos 80 cavaram na foice um lugar ao sol. Salve Guarani, Ponte Preta e tantos outros times que apavoraram os grandes das capitais Brasil afora.

Ainda falando dos times do interior, não podemos esquecer da genuína moda de viola brasileira. Tal qual os pobres times à margem da capital, foi assassinada com o passar do tempo. Se antes tínhamos Tonico & Tinoco no sábado à noite, o grande Zé Rico diretor da sua paixão de Limeira e XV de Jaú x Guarani rumo ao crepúsculo de domingo, hoje temos que nos contentar com Fernando & Sorocaba na boate para depois assistir Red Bull x algum outro time de empresário.

Voltando ao assunto, o que dizer das Seleções de 1982 e 1986? Um time que passou pelo mundo da mesma forma que um tango. Tudo extremamente belo, mas com toques de drama.

A década de 80 foi cruel com a nossa querida e finada Seleção. Mas foi generosa com a música e alguns times. Os fãs mais nervosos da página lembram-se da explosão do trash metal. Da mesma maneira que Exodus, Metallica, Slayer, Testament e tantas outras bandas chocaram o mundo, deixando-nos de queixo caído, Coritiba e Bangu decidiram o Brasileirão de 1985, e a gigantesca Internacional de Limeira levava o Paulistão de 1986. Todos vorazes e surpreendentes como um murro no queixo.

A década de 90 chega, e com ela, o mundo vira de cabeça para baixo. O grunge aparece, alguns grupos mais ousados dizem que o rock morreu, a Seleção inventa de jogar com três zagueiros, centenas de jogadores que não eram craques começam a gravar seu nome na história, o Brasil vê inúmeras duplas sertanejas surgindo, milhões de grupos de samba, axé, e uma plêiade de expressões. A semelhança é que, na época, absolutamente TODOS criticamos algum desses fenômenos. E, atualmente, praticamente TODOS olhamos para trás e vemos que o pior ainda estaria por vir. Ou vem falar que você não cantarola Leandro & Leonardo nas festinhas, enquanto seu amigo fala de Mirandinha como se ele fosse um gênio incontestável?

Dali pra frente, todos sabem que o mingau azedou. A imagem passou a ser mais importante do que o potencial. Em ambos os campos. A diferença é que na música o impacto visual sempre surtiu efeito, e no futebol sempre foi desnecessário. Bom, agora o tornaram um item fundamental no processo de lavagem cerebral, mas isso fica pra próxima.

O individualismo passou a ser regra onde deveria ser exceção. Quantos supergrupos e supertimes não fracassaram nos últimos 20 anos? Isso sem contar no famigerado e sem graça “Bola de Ouro”, que mais se parece com o tal de The Voice: uma votação que leva em consideração inúmeros fatores fora do talento. Influência, imagem, possibilidade de vendas de itens – e por aí vai.

Infelizmente, hoje é difícil encontrar algum atrativo na música. Mas é óbvio que é extremamente mais fácil encontrar motivos para se ouvir música do que para assistir futebol, uma vez que o esporte bretão se foi.

Nos resta, afinal, ligar nosso vídeo cassete, e ver jogos da Seleção de 1970, a Copa de 1982, shows do Led Zeppelin, ouvir discos do Van Halen. Tudo isso para tentar esquecer que o campo de futebol era um show do Slayer, e virou um show do Avenged Sevenfold. Tudo é plastificado. Tudo é feito com a intenção de nos convencer a ser um consumidor. A emoção acabou.

O grito da torcida, que era mais impactante do que a voz de um tenor, virou algo tão sem sentido quanto um grito das inúmeras bandas de heavy metal medieval que aparecem dia após dia.

Os artistas da bola, que se pareciam com o público desencanado do Woodstock, hoje tentam ficar mais produzidos do que o palco no show do (eterno) Michael Jackson.

O que nos deixava por duas horas em transe, travados, tal qual um show do Sepultura em início de carreira, hoje é tão sonolento quanto um show acústico dos Detonautas.

O que era belo e hipnotizante como um show do Pink Floyd, hoje virou uma tarde de autógrafos com Lucas Lucco.

Assim caminhamos, apenas esperando para ouvir a marcha fúnebre no dia do enterro do futebol.

#RIPFutebol

 

por Mateus Ribeiro

 

Um comentário sobre “Música, Bola de Ouro e a marcha fúnebre do futebol

  1. Rodolfo, infelizmente, pra mim, o seu texto, apesar de eu entender, não mostra clareza do real motivo pelo qual o futebol morreu. Apenas disserta em como a imagem do jogador se tornou importante no futebol. Ruim pra alguns e Bom pra outros, isso é natural. O que aparenta é uma certa nostalgia do seu tempo. Acredito que a cerimonia da FIFA seja uma festa sem graça que premia sem muito critério os “melhores jogadores do mundo”, mas é inegável que jogariam em diversos times dos quais você carrega na memória. O primor do individualismo sempre aconteceu, mas hoje, isso ganha voz. Pelé não enche a boca pra dizer que ele fez mas de 1000 gols? O escrevo apenas para fomentar a discussão. Seu texto é muito bom. Parabéns.

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